Para pensar

A alienação de que fala Marx é conseqüência do afastamento entre os interesses do trabalhador e aquilo que ele produz. De modo mais amplo, trata-se também do abismo entre o que se aprende apenas para cumprir uma função no sistema de produção e uma formação que realmente ajude o ser humano a exercer suas potencialidades. Você já pensou se a educação, como é praticada a seu redor, procura dar condições ao aluno para que se desenvolva por inteiro ou se responde apenas a objetivos limitados pelas circunstâncias?

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Docência, uma profissão estagnada


Dar aos profissionais da Educação perspectivas de médio e longo prazos, tornar a docência atrativa para os mais jovens e valorizar a profissão, equiparando-a a outras que exigem o mesmo grau de especialização. Esses são alguns dos objetivos por trás da criação dos planos de carreira do Magistério, ou pelo menos deveriam ser. Infelizmente, o Brasil vem empurrando essa reivindicação com a barriga há anos. Em 1996, quando começaram as discussões para a elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE) que vigorou de 2000 a 2010, o assunto já estava em alta e foi incorporado às metas. Quinze anos se passaram, pouco caminhamos - ainda há muitas redes sem plano de carreira ou com propostas frágeis - e a questão voltou à pauta do novo PNE, que está em votação no Congresso
Enquanto isso, educadores de todo o país reclamam de não ter perspectivas claras de crescimento profissional e a questão contribui para que a docência se torne cada vez menos valorizada. Um plano de carreira bem formulado pode trazer bons profissionais para as salas de aula, mesmo que o salário inicial não seja tão alto. Isso porque a maioria das pessoas, especialmente os mais jovens, é atraída pela perspectiva de progredir. Ao mesmo tempo, a existência de degraus sólidos que se pode alcançar ajuda a manter o docente motivado na rede pública. Para que essas duas ações se concretizem, é necessário que a profissão conte com regras claras de promoção, um programa estruturado de aperfeiçoamento profissional e uma boa política de remuneração. São importantes também ações que dêem segurança ao trabalhador em termos de proteção à saúde e direitos previdenciários.
Faltam regras claras, formação consistente e política salarial 
Estados e municípios têm autonomia para criar e gerir seus planos de carreira, mas o Ministério da Educação (MEC) por meio do Plano de Ações Articuladas (PAR) vem, desde 2007, auxiliando os gestores locais na criação e implementação deles. Para que essas ações tenham resultado, no entanto, é preciso que as propostas contemplem os degraus que o docente pode alcançar e o que deve fazer para isso - o que nem sempre acontece. Propostas consistentes asseguram promoções e progressões funcionais mediante regras claras e meritocráticas. Profissionais com mais anos de estudo, mais tempo na rede e com bom desempenho em avaliações ascendem mais rapidamente - e têm retorno financeiro com isso. Ao alcançar novos patamares na carreira, eles também se tornam aptos a migrar para outras áreas dentro da estrutura da Educação, como os cargos de gestão na escola, na diretoria de ensino etc. 
Para viabilizar essa subida, há que se criar degraus mais sólidos de formação. Atualmente, existem algumas iniciativas do Ministério da Educação (MEC) em curso. No campo da formação inicial, destaca-se o estímulo à graduação por meio de bolsas de estudos do Programa Universidade para Todos (Prouni). No que se refere à formação continuada, existem programas criados em parceria com estados e municípios - como o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor), que apresentam resultados interessantes, mas ainda não alcançam grande escala. Há também a promessa do MEC de tornar gratuitos os mestrados e doutorados em Educação, que ainda não está aprovada. Isso, no entanto, não é suficiente. É necessário pensar a capacitação docente em nível nacional. 
Outro ponto fundamental é a política de remuneração. A questão é, com certeza, a mais complicada atualmente. Entre as metas do PNE, há uma que propõe aproximar o rendimento médio do profissional do Magistério com mais de 11 anos de escolaridade à média do salário de pessoas com os mesmos anos de estudo. Nada mais justo, visto que a docência é a base para a formação do país. Há, no entanto, diversos entraves para que a medida seja efetivada. A lei do piso nacional foi um avanço importante, mas o salário de 1.187,14 reais dos professores para uma jornada de 40 horas semanais não é, de forma alguma, atraente e equiparável a outros profissionais de igual especialização. 
E mesmo esse valor tem sido firmemente contestado por diversas redes, que alegam falta de verbas para o pagamento dos professores. É preciso garantir, então, que seja colocado em prática o artigo 211 da Constituição Federal de 1988, que determina que o governo federal colabore técnica e financeiramente com estados e municípios para a consagração do direito à Educação. Essa ajuda se dá por meio da complementação orçamentária da União às redes que comprovam a falta de recursos. 
A discussão sobre orçamento precisa se tornar mais firme a partir do próximo ano. Isso porque, com o reajuste no piso - que tem a previsão de chegar a 1.384 reais -, existe o sério risco de, para cumprir a lei, estados e municípios achatarem os planos de carreira. Sem novos recursos, pode haver reajuste apenas para quem entra na rede, diminuindo os progressos ao longo do tempo. Com isso, em vez de uma carreira com vários degraus para subir, o que o docente vai continuar vendo é uma profissão em que se anda, mas não se sai do lugar.
Fonte:http://revistaescola.abril.com.br

sábado, 28 de janeiro de 2012

RESSIGNIFICANDO O OFÍCIO DE MESTRE


Há perguntas filosóficas que são essenciais para repensar a profissão de professor como um ofício, são elas: O que é ser professor? O que é ser educador? O que é ser pedagogo? Estas são perguntas distintas que devem ser refletidas em seu contexto próprio e tempo histórico. Como professores educadores temos o dever e o direito a qualificação como um processo de formação permanente. Este é um de nossos direitos como profissionais e também como seres humanos. Manter constantemente abertas as linhas de formação plena para a discusão e a reflexão sobre o nosso ofício e nós mesmos é fundamental, pois educação só se faz com gente. O sentido profundo do humanismo pedagógico é o ser humano, os conteúdos são mediações ou não, para esse sentido. Historicamente, à medida que a educação se tornou ensino, o conteúdo passou a ser mais importante que o humano no ser, tanto do professor quanto do aluno, a centralidade da figura do educador se perdeu e a instituição passou a ser priorizada na avaliação da comunidade, e não mais a atuação do professor em si. Assim, o profissional da educação passou a ser esquecido e ele mesmo se auto-esqueceu, daí a pergunta: quem é o professor? A resposta revela uma profunda necessidade de humanização das inter-relações que se desenvolvem nas práticas pedagógicas e no cotidiano da escola, ou seja, os professores têm necessidade de conhecer uns aos outros.
Outra leitura que se faz dentro da escola pode ser simbólica e midiática. Os símbolos dentro da escola precisam ser mais humanizados e possuir um significado mais cultural que falem alguma coisa. A escola como ponto de encontro cotidiano precisa ser mais humanizada para os professores. Deveria haver um tempo de encontro cotidiano e não apenas esporadicamente. Faz-se necessário desconstruir as imagens que temos de professores e professoras. Essa não é uma tarefa fácil, pois não é fácil ser livre e ético, por isso se torna necessária a educação para a liberdade e a ética. O que ocorre é que as imagens que se apresentam diante de nós de maneira concreta todos os dias estão quebradas, e quem trabalha com vidro quebrado pode se machucar. Há infâncias e adolescências quebradas. Viver na sociedade sem paradigmas éticos é um desafio muito grande para todos, principalmente para que ainda está formando a sua identidade social. Mas a pergunta que se faz é: será possível construir a imagem que queremos? Há liberdade plena para isso? Quais são as imagens e auto-imagens que temos da educação? Primeiro devemos considerar que a educação é uma construção histórica e sua imagem também. Há uma tensão histórica e dialética na construção da imagem do mestre. O próprio ser humano é um processo em construção histórica (produto da história). Não há um molde para essa construção formativa, se temos que construir nossa imagem devemos perguntar se de fato somos livres para isso. Temos que construir nossa liberdade, nossa autonomia intelectual e moral. O fato é que a imagem do professor está distorcida, basta observar o que a mídia apresenta na data que comemora o seu dia. Se fizermos um levantamento da imagem do professor no dia do professor, a mídia ainda persiste em apresentá-lo como um sacerdote ou meramente um técnico. Afinal, que imagem temos da educação e do professor? Que imagem queremos? Não podemos negar que há um imaginário muito forte sobre o magistério, parecemos “pau para toda obra”. Há uma transferência de responsabilidades.
Precisamos refletir que o foco pedagógico não está no passado ou no futuro, mas no presente. Afinal, que imagens já estão em construção hoje? O que observamos é que há uma tensão dialética das imagens já construídas e as que estão sendo construídas. Como profissionais da educação somos sujeitos de direitos, não somos “pau para toda obra” ou uma “legião de boa vontade e voluntariado”. Que imagem profissional nós temos quando nos contrastamos com outros profissionais? O fato é que todos, indiscriminadamente, se acham no direito de opinar sobre educação, isso demonstra a falta de profissionalismo na educação e a ausência de uma imagem e auto-imagem profissional. Para isso é necessária qualificação profissional e capacitação permanente. O que podemos fazer para tornar o nosso campo de atuação mais profissional? Uma fundamentação teórica pedagógica mais consistente pode ser um bom começo. Embora muitos educadores sejam avessos a teoria educacional, ter mais clareza de nosso embasamento profissional é essencial para a práxis pedagógica. Mas como garantir esse embasamento profissional? Somos profissionais de direitos, especialista de direitos, pessoas de direitos e devemos garantir nosso direito a ser gente, nosso direito à educação continuada. Devemos lutar para garantir o direito a nos construir como humanos. O que é necessário para avançar nesta imagem? Qual nossa visão dos educandos? Qual nossa autovisão? Qual a concepção de ser humano e do humano o ser que norteia nossa prática pedagógica? O fato é que são os educandos que revelam nossa identidade. Então, como vemos nossos educandos? Que concepção de ser eu tenho? Assim como é fundamental o auto-reconhecimento como pessoa de direitos, também é importante reconhecê-los como sujeitos de direitos, seja na infância, na adolescência, na juventude, na vida adulta e na terceira idade. O olhar sobre eles não pode ser telescópico, fixo. Precisa ser um olhar caleidoscópico que contemple as diferenças e a diversidade. Não podemos falar e pensar em infância e juventude, mas sim em infâncias e juventudes. Precisamos de um olhar caleidoscópico sobre os tempos de vida e os sujeitos. O cidadão não será, ele já é em cada tempo de vida. Não se educa para ser, mas para exercer. Todavia, o fato é que a educação ainda não é um direito universal nem natural, como o direito à vida. Enquanto não considerarmos nossos educandos como sujeitos de direitos durante todo o tempo de sua existência, e todo o tempo humano como um direito à educação, não poderemos falar em inclusão. Para isso, faz-se necessário reinventar o profissional da educação, porque o fantasma das crianças e jovens quebrados pela escola nos atormenta como profissionais. A falta de respeito à condição humana em todos os tempos é um escândalo psicosocial. Respeitar todos os tempos de vida do ser humano é não aceitar que um adolescente fique no meio de crianças para receber uma pretensa educação. A reprovação é a quebra da alma humana de uma criança e jovem, e de quem é sempre a culpa? Como adjetivamos nossos alunos? Que visão humana ou desumana temos? Nos conselhos de classe em que tenho participado percebo que geralmente não se usam termos técnicos para classificá-los, mas pejorativos. A culpa é sempre deles, dos incapazes, e nunca da escola ou do mal profissional da educação, ou ainda do processo pedagógico. Há uma tremenda necessidade de compreender as transformações das necessidades das novas gerações. O conflito de gerações é real e só uma maneira de superá-lo, a profissionalização e capacitação do profissional da educação. Afinal, qual é a nossa função? Somos ensinantes ou educadores? Ensinar ou educar, eis a questão. Devemos considerar que durante muito tempo a pedagogia conduziu a infância, agora é a infância que nos guia e nos mostra o que é relevante e necessário para este tempo histórico.
Somos profissionais da educação e não apenas do ensino. Precisamos recuperar o significado das palavras educação e educadores. Se toda docência é um processo humano, é impossível ser apenas um ensinador e não ser educador. Assim, todo educador é professor de moral, quer tenha consciência disso ou não. Transmitimos valores em nossa ação pedagógica. Vivemos um momento de crise moral, de crise de valores, de crise ética. Vivemos um momento de gestação, em que a lacuna ética precisa ser preenchida. Essa falta de valores tem criado escolas cemitérios, com uma educação para mortos e para a morte. Há uma perda de autoridade muito grande, e um aumento do autoritarismo. Considerando que autoridade e autoritarismo são coisas bem distintas, é fundamental que como profissionais da educação saibamos construir nossa autoridade pela nossa competência e comprometimento. Autoritarismo não é educação. A escola não pode ser considerada como uma máquina ensinante, há que recuperar o humanismo pedagógico, pois educar é humanizar, é recuperar a humanidade roubada, quebrada e esquecida.
Se for preciso redefinir os currículos congelados e obsoletos, que assim seja. Se for preciso redefinir a docência, a didática, os métodos medievais, as práxis e o próprio educador, que assim seja. Que dimensões da educação e do próprio ser humano precisam ser redefinidas? Afinal, o que o ser humano? Quem é esse ser que se coloca diante de mim para ser educado? Qual o seu tempo histórico e de vida? Certamente é um microcosmo, um ser complexo e maravilhoso. É preciso considerar o ser humano enquanto cultura e civilização. Quais seus valores, conhecimentos, símbolos, crenças, etc? Devemos nos questionar: que dimensões do ser humano valorizamos mais e que dimensões nem tocamos? Na visão tradicional é a dimensão cognitiva a privilegiada, pois é capaz de conhecer e produzir o conhecimento. Na postura tradicional o fluído do conhecimento deve ser derramado e encher ou fazer a cabeça. Todavia, a capacidade de pensar é que transformará a informação em conhecimento e este em sabedoria. Que tipo de conhecimento desejamos construir e estamos construindo? Conhecimento estragado, ultrapassado e obsoleto, ou conhecimento saudável? Morto ou vivo? Daí a necessidade de um conhecimento filosófico que leve à prática da filosofia como ferramenta que fundamentará o pensar e o agir. Apresentar aos educandos uma grade curricular que é uma prisão do conhecimento, ou um conhecimento alienador, fechado, pronto e acabado, é torná-los meros refletores do pensamento já pensado. Em nosso tempo histórico devemos considerar que a grande matriz curricular é a cultura e o conhecimento faz parte da cultura. Hoje há o que pode ser definido de analfabetismo cultural. Educadores e educandos são pessoas de direitos a cultura. Isso envolve aspectos éticos de comprometimento, e a urgente necessidade de educar condutas, de ensinar valores com intencionalidade. Todavia isso só será possível com a resignificação do professor como educador e profissional.

Ofício do Mestre


O saber-fazer, as artes dos mestres da educação do passado deixaram suas marcas na prática dos educadores e das educadoras de nossos dias. Esse saber-fazer e suas dimensões ou traços mais permanentes sobrevivem em todos nós. O conviver de gerações, o saber acompanhar e conduzir a infância em seus processos de socialização, formação e aprendizagem, a perícia dos mestres não são coisas do passado descartadas pela tecnologia, pelo livro didático, pela informática ou pela administração de qualidade total. A perícia dessas artes poderia ter sido substituída por técnicas, entretanto nem os tempos da visão mais tecnicista conseguiram apagar estas artes, nem os novos tempos das novas tecnologias, da TV, da informática aplicada à educação conseguirão prescindir da perícia dos mestres. Educar incorpora as marcas de um ofício e de uma arte, aprendida no diálogo de gerações. O magistério incorpora perícia e saberes aprendidos pela espécie humana no longo de sua formação.
Muitos saberes de muitos ofícios foram destruídos pela industrialização, pelo avanço das máquinas, da tecnologia, da incorporação do saber operário e do seu controle. Processos tensos de eliminação dos ofícios e dos artífices... Processos históricos de expropriação do saber operário. Mas foi eliminado mesmo o saber dos trabalhadores ou houve resistências e re-apropriações? Esse saber coletivo se afirmou como um saber de classe e de categorias. Os trabalhadores construíram nesses embates um saber próprio. Sabem mais, construíram sua nova identidade e seu novo orgulho. No campo da educação, da socialização, do desenvolvimento e formação humana esses processos seguiram o mesmo caminho? Esta é a questão que nos persegue. O que ficou em nós do velho ofício do magistério?
Escolher o termo “ofício de mestre” sugere que apostamos em que a categoria mantém e reproduz a herança de saber específico. Sem deixar de reconhecer pressões, embates nessa direção e também resistências às tentativas de administração gerencial, de expropriação do saber profissional dos professores através da organização parcelar do trabalho. Como ignorar esses embates no campo da educação? Como não perceber que o saber-fazer de mestre teve alterações profundas com as tentativas de incorporação desses processos “racionais” na gestão dos sistemas de ensino, na organização e divisão do trabalho?
Um olhar apenas centrado na história das políticas, das normas e dos regimentos, da divisão gradeada e disciplinar do currículo e do trabalho, da incorporação dos especialistas, da separação entre os que decidem os que pensam e o que fazem nos levará fácil e precipitadamente a concluir pela eliminação de qualquer das tradicionais dimensões e traços do ofício de mestre. Mas cabem outros olhares que pretendam ser mais totalizantes para perceber que os traços mais definidores de toda ação educativa resistiram e perduram. Há uma resistente cultura docente.
O trabalho e a relação educativa que se dá na sala de aula e no convívio entre educadores (as) /educandos (as) traz ainda as marcas da especificidade da ação educativa. A escola e outros espaços educativos ainda dependem dessa qualidade. As tentativas de racionalização empresarial não conseguiram tornar essa qualificação dispensável. Além do mais, para que substituir uma escola centrada nas relações interpessoais e em processos e saberes artesanais, por uma escola centrada na racionalidade empresarial, na desqualificação do trabalho, se o trabalho qualificado dos mestres é tão barato?
Conversar sobre o ofício de mestre tem ainda outra motivação: é entre nós e sobre nós que conversamos em tantos encontros, congressos e conferências, em tantas tentativas coletivas de construir a escola e de nos construirmos como profissionais. Por todo lado e a qualquer pretexto, se inventam encontros, mais da categoria do que oficiais. Encontros onde o olhar é sobre a prática, o fazer e pensar educativo, sobre os projetos de escola, sobre as áreas do conhecimento, sobre as condições de trabalho, salariais, de carreira, de estabilidade. Sobre nossa condição e identidade coletiva.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

ENSINAR E APRENDER:


As novas pedagogias vêm se afirmando a partir de uma mudança de foco: concentram-se em torno do processo de aprendizagem, contrapondo-se às pedagogias tradicionais que se organizavam centradas no processo de ensino. O protagonista passou a ser o aluno, em lugar do professor. Tendo sido esse o mote da Escola Nova, ele ganha força novamente com o caráter
Hegemônico que tomou o construtivismo. E, em que pese a contribuição do interacionismo e do sócio-interacionismo para a Educação, não se pode ignorar o grande problema gerado pela disseminação da falácia: ninguém ensina nada a ninguém.No caso do ensino superior, sendo a pesquisa um de seus tripés, o ensino por meio dela deve lá estar by default! Mas isto não invalida a possibilidade da transmissão. Nas grandes universidades do Primeiro Mundo, os expoentes das diferentes áreas pronunciam.
Aulas Magnas em grandes auditórios para o maior número possível de estudantes: ali são compartilhadas as sínteses de conhecimentos construídos em uma vida de pesquisa acadêmico-científica. É bem verdade que os alunos se distribuem depois, em pequenos grupos, para um trabalho mais detalhado, sob a orientação dos professores assistentes (TAs). Mas, é um privilégio estar ali presente e ouvir a fala de luminares, entre os quais pude ouvir e aplaudir, certa feita, juntamente com uma seleta platéia, nosso querido Paulo Freire. E é claro que ele lá não estava a fazer “depósitos bancários” em nossas cabeças (e a expressão é dele mesmo): estava a fertilizá-las com as suas experiências e reflexões, e a cada um de nós cumpria a tarefa de trabalhar toda aquela matéria prima amalgamando-a com o nosso respectivo background. Cada ouvinte se apropriava daquela mensagem, processando aquele material com os recursos de suas27 experiências prévias e de sua capacidade de reflexão. A isto também chamamos de construção de conhecimento. LEITE (1994) aborda de maneira interessante a questão do conhecimento como processo e como produto. Entretanto, é preciso não assumir uma postura maniqueísta que coloca o conhecimento/produto numa extremidade, a do mal, marcada pelo positivismo, pelas pedagogias retrógradas, pelo imobilismo. Conhecimento é processo sim, e é bom compreender a sua historicidade, mas necessariamente ele se transforma em produto, em arcabouço científico-cultural, cuja transmissão, espera-se, deve ser, sim, da responsabilidade de professor/escola/universidade. Não se pode avançar no conhecimento sem que se saiba o que foi produzido naquela área, até aquele momento. Einstein não teria formulado a teoria da relatividade sem o conhecimento prévio das teorias científicas que o antecederam, embora o tenha feito no vácuo deixado por elas (KUHN, 1992). Certa vez ouvi, no auditório da Faculdade de Educação da UFMG, o insigne filósofo Roberto Romano discorrer sobre o fantástico trabalho de reconstrução da Matemática por que passam as mentes dos estudantes, quando acompanham, passo a passo, a demonstração por seu professor, no quadro-negro, de um teorema de Pitágoras, por exemplo. Afinal, não se pode negar o poder da fala, da comunicação– apanágio da espécie humana. E não me limito às grandes performances: aulas expositivas, quando bem conduzidas, considerando as experiências prévias dos alunos desempenham papel importante ao proporcionar uma visão global inicial dos assuntos, ao possibilitar a solução de dúvidas, ao integrar os conteúdos trabalhados proporcionando o surgimento da gestalt - a estruturação do campo em estudo. O bom professor deve ser um pesquisador do seu campo teórico e, ao mesmo tempo, ser capaz de “transmitir” – sem qualquer conotação pejorativa - a seus alunos, esse conhecimento acumulado que é a sua própria síntese até aquele momento. Isto não significa que essa síntese deva se cristalizar: ela pode evoluir ou até mesmo se negar, mas o que vige para ele até então, o bom professor deve ser capaz de ensinar. Com28isto não estou minimizando a importância das mídias e das webs na disseminação das informações, que hoje atingem um montante indescritível. Mas, o que se espera de um professor universitário, além de uma orientação para a pesquisa, é que ele seja também capaz de auxiliar os alunos na transformação das informações em conhecimento. Embora hoje se fale muito em rede, em substituição aos pré-requisitos para o conhecimento, uma importante tarefa do professor é auxiliar na estruturação dos campos teóricos. Infelizmente, há “exposições” e “exposições”, “professores” e “professores”...
Fonte: Coleção didática e Prática de ensino- Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente.