Há décadas discute-se em
congressos, seminários, cursos e outros eventos semelhantes, qual a formação
ideal ou necessária do professor do ensino básico (fundamental e médio), numa
demonstração ostensiva de insatisfação generalizada com relação aos modelos
formativos vigentes, principalmente nos cursos de licenciatura.
No entanto, dessa ampla e
continuada discussão, não têm emergido propostas que ultrapassem o nível de
recomendações abstratas sobre a necessidade de "sólida formação dos
educadores", da "integração de teoria e prática", da
"interdisciplinaridade" etc. É claro que sugestões dessa natureza são
capazes de entreter colóquios e debates, mas a sua utilidade não vai além
desses efeitos retóricos.
Nessas discussões, quase sempre
se parte de uma noção vaga e impressionista de "escola brasileira",
caminha-se para a afirmação da necessidade de uma "política nacional de
formação de professores" e, em seguida, desenha-se o "perfil
profissional" desses professores por meio de um arrolamento de
competências cognitivas e docentes que deveriam ser desenvolvidas pelos cursos
formadores. Embora esse traçado das discussões seja um pouco simplificado, ele
capta duas tendências sempre presentes no encaminhamento do tema da formação de
professores: o vezo centralizador das normas gerais e a fixação na figura
individual do professor.
Com relação à primeira
tendência, talvez seja sensato convir que, num país com tão grandes diferenças
econômicas, sociais e culturais, a única política nacional de formação de
professores deva ser uma simples indicação de rumos, tal como a própria LDB já
fez. Ultrapassar esse limite e tentar estabelecer normas gerais pode acabar
conduzindo à formulação de um modelo abstrato inviável na ampla variedade da
situação nacional.
Quanto à segunda tendência, o
problema é ainda mais grave porque as discussões e propostas que surgem em
congressos, seminários e outros eventos têm se detido na caracterização da
figura abstrata de um profissional dotado de determinadas qualidades como sendo
um ideal de formação. Nessa linha, as preocupações sobre a formação docente
aproximam-se da concepção de Comênio (Didática Magna, 1657), segundo a
qual o "bom professor" seria aquele capaz de dominar a "arte de
ensinar tudo a todos". Comênio, como um baconista convicto, tinha uma
profunda confiança no poder do método, achava possível que a arte de ensinar
fosse codificável num conjunto de prescrições cuja observância estrita faria de
uma pessoa interessada um professor competente, ele queria implantar no campo
da educação a reforma pretendida por Bacon no domínio das ciências. Como para
Bacon fazer ciência era aplicar um método, Comênio imaginou que ensinar era
também a aplicação de um método.
Contudo, quando Comênio falava
em método de ensino era no sentido claro e forte de uma transposição para a
educação da concepção baconiana de método científico. Essa ideia, embora
equivocada, pois respaldava-se numa discutível analogia entre o desenvolvimento
do conhecimento individual e o desenvolvimento social da ciência, sobreviveu
pelo menos até os trabalhos de John Dewey, neste século. Mas, nos últimos
tempos, essa vinculação direta entre método de conhecimento e método de ensino
teve o seu significado original substituído por uma pletora de metáforas sobre
conhecimento das quais se fazem enigmáticas ilações sobre ensino.
No que diz respeito às
propostas de formação docente, o estado de coisas está tão desarranjado que,
quando se fala em metodologias e estratégias de ensino, não se consegue
discernir entre possíveis relações conceituais entre conhecimento, ensino e
valores e hipotéticas relações entre capacidade de aprender e supostas fases de
desenvolvimento psicológico. Enfim, nem sempre se procura e se consegue
distinguir entre o que são exercícios de um jargão na moda daquilo que tem
respaldo em investigações teóricas e empíricas.
A ideia de que ensino eficaz é
basicamente a aplicação competente de um saber metodológico,
epistemologicamente fundamentado em outros saberes, principalmente de natureza
psicológica, é altamente discutível. Teorias da aprendizagem, da inteligência e
do desenvolvimento cognitivo e emocional da criança e do adolescente aparecem,
entram em moda e saem de moda. Pouco há de seguro, nessas áreas do
conhecimento, que permita fundamentar a formação do professor. Além disso, é
preciso ainda chamar a atenção para o fato de que tentativas de derivar regras
práticas de teorias científicas são, na maior parte das vezes, exercícios
claudicantes do ponto de vista lógico, por desconsideração das complexas
questões implicadas no trânsito entre o conhecimento de fatos e possíveis
regras que consistiriam numa aplicação desse conhecimento.
Essas duas dificuldades — a
insuficiente comprovação empírica de teorias disponíveis sobre as várias
dimensões do fenômeno educativo e o embaraço lógico de derivar dessas teorias
recomendações metodológicas inequívocas — sugerem que talvez não convenha alicerçar
a formação de docentes sobre terreno tão movediço. Mas, além dessas questões
científicas e lógicas, é preciso levar em conta que, mesmo naqueles casos em
que reiteradas comprovações empíricas parecem dar sustentação e credibilidade a
algumas teorias ou hipóteses científicas, permanece a questão propriamente
educacional de saber se uma determinada atuação pedagógica deve ser posta em
prática apenas porque teria algum respaldo científico. O valor de programas
educacionais exige uma avaliação mais abrangente. Enfim, a validade científica
de uma teoria não constitui base suficiente para formulação de diretrizes
educativas que sempre exigem opções entre valores. Pense-se, por exemplo, na
educação sexual, que jamais poderá ser conduzida a partir apenas de informações
sobre desenvolvimento e fisiologia do sexo.
Esse é o ponto que realmente
importa. A adequada formação do professor não pode ser imaginada como a simples
e direta aplicação à situação de ensino de um saber teórico. Não se trata de
substituir uma orientação psicológica por outra nem de ampliar os estudos de
ciências sociais como a Sociologia, a Antropologia e outras.
O ponto de vista pedagógico não
é uma soma de parcelas de saberes teóricos que, embora necessários, nunca serão
suficientes para alicerçar a compreensão da situação escolar e a formação do
discernimento do educador. Nesses termos, é claro que não há fórmulas prontas
para orientar essa formação, mas o próprio conceito de vida escolar é
básico para que se alcance esse discernimento.
Aliás, Scheffler, no livro A linguagem
da educação (Saraiva/EDUSP, 1974, p. 45), após examinar os enganos lógicos
das tentativas de derivar diretrizes educacionais de concepções filosóficas de
homem, mostra que uma observação análoga vale para a transferência de
definições da ciência para a educação, transferência essa cujos perigos já
notificamos. Observamos que as definições científicas estão em continuidade com
as teorias e com as evidências próprias aos seus domínios respectivos, e que o
melhor, portanto, é que sejam tratadas à parte. (...) Elas devem ser julgadas, grosso
modo, pela contribuição que fazem à adequação das suas respectivas redes
científicas com relação à explicação dos fatos. Segue-se daí que adotar uma
definição científica para uso programático não significa evitar a necessidade
de uma avaliação do programa que esse uso veicula. A adequação científica de
uma definição não é um signo do valor prático de tal programa (...).
Além das considerações
anteriores, outra crítica muito grave que se pode fazer às diferentes propostas
de bases teóricas da formação docente está na unanimidade que apresentam ao
focalizar a figura individual do professor. Traçar o perfil profissional do
professor, detentor de determinadas competências cognitivas e docentes, é um
exercício pedagógico para esboçar um "retrato imaginado" do que seria
o professor universal. Esse exercício seria tão útil para a educação quanto à
descrição do "espírito científico" para a ciência